Ultimamente eu venho pensando no significado de todo esse boom econômico que dizem estar acontecendo no Brasil. A classe C agora consome e sendo ela uma grossa camada da nossa pirâmide social, me parece que os nossos índices econômicos subiram as alturas. E com isso a classe A, a detentora dos bens de produção, engorda as contas e gera mais emprego para a classe C, mesmo que o emprego seja fabricar agrotóxico, canudinho plástico ou purê de batata em pó. Eu sei que a dinâmica é mais complexa, mas a grosso modo é isso que todo economês com índices e cifras demonstra. A classe B, nessa balança de extremos, ou perde a classe sendo rebaixada, ou, como em um conto de fadas de histórias registradas em revistas como Exame e Isto É Dinheiro, sobe para a primeira divisão. Quem permanece na B, abre uma lojinha de roupas ou sapato para a mulher, afinal alguém tem que ajudar com a renda familiar, mesmo que o investimento seja arriscado.
Mas ai eu vejo a realidade a minha volta e não entendo nada por o caos só me parece se intensificar.
Por exemplo:
Enquanto a Associação do Comercio da cidade onde moro vibra com o aumento de 15% nas vendas de carro 0km na cidade. Eu considero esse dado terrível. Para mim se traduz em mais trânsito, mais poluição, menos gente andando a pé ou de transporte público, mais gente gorda, mais dinheiro gasto com gasolina ou álcool, o que se traduz em mais poluição e menos sustentabilidade, enfim, não tem nada bom. Tá bom, carro é sinônimo de independência, de viagens, de diversão, concordo, mas segundo o mesmo órgão na cidade hoje existem 1 carro para cada pessoa e meia, péssimo. Um carro por família já estaria mais que bom.
Cadê a educação? As escolas públicas estão falidas e acabadas, as privadas são na maioria bem mais ou menos, no Brasil adoramos nivelar tudo por baixo, bem baixo mesmo, por que será? Só as mensalidades que são lá em cima. Minha filha outro dia chegou em casa e perguntou: Mãe, porque todo mundo acha que cuidar da natureza é só jogar o lixo no lixo? PREGUIÇA, DESINTERESSE, DESINFORMAÇÃO, NÃO DÁ DINHEIRO, BURRICE... É esse o nível das aulas de meio ambiente das escolas.
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Recentemente eu me deparei com um livro muito bacana nas livrarias chamado "A Felicidade"*, idealizado pelos italianos Domenico De Masi e Oliviero Toscani. Para quem não sabe eles são os caras por trás da marca Benetton e suas campanhas publicitárias provocativas e inusitadas, que desde a adolescência admiro muito. O livro é uma coletânea de dizeres e ensaios filosóficos de todos os grandes pensadores da Grécia antiga a modernidade que analisa o que leva o homem a ser feliz... Deverás interessante.
Entre as várias citações do livro, uma em especial me chamou a atenção, uma carta escrita pelo ex-senador americano Robert F. Kennedy**, há mais de 40 anos. Nela, ele disserta sobre o verdadeiro significado do crescimento econômico americano, que no linguajar econômico se traduz por PIB (Produto Interno Bruto). A carta caiu como uma luva para dar início a uma nova sessão sobre ECONÔMIA no manual. E traduz exatamente aquilo que eu penso sobre o suposto crescimento econômico brasileiro:
“Sejamos claros desde o início: não encontraremos nenhum propósito para a nação e nem nossa satisfação pessoal na mera corrida pelo progresso econômico, na infindável acumulação por bens materiais. Não podemos medir o espírito nacional com base no índice Dow Jones, nem os sucessos com base no PIB.
O PIB compreende a poluição do ar e a publicidade de cigarros. Inclui na conta as fechaduras especiais com que trancamos nossas casas e as prisões para aqueles que as arrombam. O PIB compreende a destruição de nossas matas e a morte de nossos lagos.
O PIB cresce com a produção de mísseis, de ogivas nucleares e a disseminação de doenças. O nosso PIB se infla com os equipamentos que a polícia usa para reprimir as manifestações populares. Compreende o fuzil Whitman e a faca Speck. A transmissão de programas de televisão que celebram a violência para vender mercadorias as nossas crianças.
O nosso PIB compreende tudo isso. Mas não leva em conta o estado de saúde de nossas famílias, a qualidade de sua educação ou a alegria de seus momentos de lazer. É indiferente em relação à decência de nossas fabricas e a segurança de nossas estradas.
Não compreende a beleza de nossa poesia, a solidez de nossos casamentos, a inteligência de nossas discussões ou a honestidade de muitas pessoas. Não leva em conta a justeza das relações.
O nosso PIB não mede nossa coragem, nossa sabedoria, nem nosso conhecimento, nossa compaixão, nem nossa devoção ao país.
Em poucas palavras. Mede tudo. Exceto aquilo que torna a vida digna de ser vivida.”
Bob Kennedy
* “A Felicidade” (Editora Globo, 132 páginas, R$ 44,90)